Carnaval de Arlequin - Jean Miró
Vou jogar Mário Bros até de madrugada pra ver se enxugo
essas lágrimas, ou mesmo, resseco elas com o brilho medonho desse colorido
virtual, pensou. O filme que ele indicara numa conversa tacanha, de uma rotina
normal, amorzinho, paixão, a fez chorar, compulsiva, latente, tempestade. E
vieram cem, sete lembranças. E ela pensou que jamais ia esquecer. E pensou em
fugir, mas não tinha pra onde. Poderia afundar-se numa linha de tempo e
publicar imagens chorosas de cores frias. Poderia postar pontuações que simbolizavam
tristeza. Poderia piar citações viscerais e gritar, silenciosamente daquela
tela, uma depressão que nem precisava ter.
Ele fora dormir. Avisara por sms. E ela ficou ali, pensando.
Pensou que pensar era a coisa mais terrível do mundo para os relacionamentos.
Quando tudo era perfeito, caia-se a vontade de que o drama deveria imperar,
vingar, destruir. E, com isso, o então viria. Cheio de novos, pormenores. Contudo,
haviam as lembranças tristes que a faziam pintar as unhas de negro ou de pálido.
Ou de negro e pálido. Refrescou-se num suspiro e recordou alegria. Sabia que
poderia estar com outro, mas o querer dela era tão dele que até subjulgara-se,
por vezes. Lembrou de quando podia controlar-se. Fechar uma janelinha apenas e
dormir tranquila. Agora não. Condenou-se. Podia fechar janelinha, mas a angústia
se ia pra cama com ela, apertando gogó, cantando Bethânia, chorosa.
E ela, que fora forte, que perdoara, que sentiu frieza,
racionalidades, enquanto comia batata-frita em motel de quinta, e nem sequer
derretera-se em água e sal, desabou. Quando o choro é tempestade, nem mesmo
pular em cogumelos de pixels o contém. Nem podia ligar para ele, abalar segurança.
Nem podia dizer para ele que perdoar doía. Ela estava ali, tentando ser feliz,
mas a memória era má.
Tinha um coração e um teclado. Tinha uma tela que se abria
para o mundo. Mas o mundo, aquele mundo de hipertextos, tinha muito dele. As
buscas eram recheadas das suas palavras-chaves, quando distrações. Mesmo que um
clique fizesse saltar uma nova janela, alguma substância nervosa dentro dela a
fazia voltar e digitar o nome, já tão banal, e stalkear. Digitava e o rostinho
quadrado surgia. Era tempo de um novo clique e já ia para a tela de representações
dele. Uma tela cheia dela. Ele não gostava de expor muito. Tinha seus porquês.
E isso a agoniava.
- Amor, o que você está fazendo?
- Filme.
- Hum.
Ele gostava de dizer hum.
- Você me ama?
- Claro. Como nunca antes pensei amar. E você?
- Também. Muito.
Ela não entendia porque a janelinha avisava que a mensagem
havia sido visualizada a tal hora e logo em seguida não surgia a mensagem de
que ele estivesse digitando. Por quê? O que ele estaria fazendo? Flor havia comprometido-se
a confiar.
- Amor, posso te perguntar uma coisa?
- Sim.
- Você me acha egoísta como falou no outro dia?
- Não, amor. Achei, por uma atitude sua, mas uma atitude não
faz da pessoa uma pessoa egoísta. Você não é! Sei que se preocupa comigo.
- Que bom que percebe.
Flor estava cansando de não ter a voz dele ali, de só ver serenata
pela webcam, mesmo morando em bairros vizinhos. Cansada de só ver eu te amo, escrito em diferentes tipografias, mandado em links que abriam imagens belas.
Queria arder com ele. Queria um amor dito em sussurro. Queria um beijo que
pudesse ventar lembranças. Pra bem longe. Tão longe quanto, nem sequer o mouse
dela pudesse alcançar. Terminou de ver o filme. A mocinha perdoou o erro do
mocinho. A trama acabou ai. A dela continuava no dia seguinte. Foi dormir e tentou
sonhar.
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